A Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta terça-feira (31) a
admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a
maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos. Trata-se do primeiro passo para
o andamento da proposta na Casa, no qual os deputados avaliam que o texto está
de acordo com a própria Constituição.
O placar da
votação na CCJ foi de 42 deputados favoráveis à PEC e 17 contrários.
O texto permite
que jovens com idade acima de 16 anos que cometerem crimes possam ser
condenados a cumprir pena numa prisão comum. Hoje, qualquer menor de 18 anos
que comete algum crime é submetido, no máximo, a internação em estabelecimento
educacional.
A sessão da CCJ teve também a participação de manifestantes favoráveis à
PEC (Foto: Renan Ramalho/G1)
Para avançar, a
proposta agora precisa passar pela análise de uma comissão especial de
deputados, que analisam o mérito (conteúdo) da PEC. Essa fase deve durar 40
sessões, que leva aproximadamente dois meses.
Se aprovada na
comissão, a proposta vai ao plenário, onde são exigidos 308 votos, do total de
513 deputados, para aprovação, em duas votações. Depois, a proposta precisa
passar pela CCJ do Senado e mais duas votações no plenário, onde são exigidos
49 votos entre os 81 senadores.
A PEC foi
apresentada em agosto de 1993 e ficou mais de 21 anos parada. Neste ano, a CCJ
da Câmara retomou as discussões, encerradas nesta terça após várias tentativas
de adiamento por parlamentares contrários, em minoria na comissão.
Nesta terça (31),
deputados do PT, PC do B e PSOL, os maiores críticos, tentaram mais uma vez
impedir a votação, por meio de manobras para alterar a ordem dos trabalhos da
CCJ. Como estavam em minoria, no entanto, foram derrotados nas votações desses
pedidos.
Na sessão
também estavam presentes manifestantes contrários e a favor da PEC. Eles
carregavam faixas e cartazes e gritavam palavras de ordem. Não houve tumulto.
Ação ao Supremo
Após a aprovação da admissibilidade, parlamentares
do PT, contrário à proposta, disseram que vão preparar uma ação a ser
apresentada ao Supremo Tribunal Federal para impedir o andamento da proposta no
Congresso.
Com base em
decisões anteriores da Corte, eles citam trecho da Constituição que impede que
seja “objeto de deliberação” proposta tendente a abolir direitos e garantias
individuais. “Ainda temos tempo de fazer um mandado de segurança e o faremos. E
temos apoio de importantes juristas, como Dalmo de Abreu Dallari, Alexandre de
Moraes e José Afonso da Silva”, disse Alessandro Molon.
Discussão
A liderança do governo se manifestou contra a PEC,
mas boa parte dos deputados de partidos formalmente aliados ao Planalto votaram
a favor. Os líderes do PRB, PSD e PR, por exemplo, orientaram os deputados a
votarem a favor da PEC. Na oposição, pediram votos pela admissibilidade da
proposta líderes do PSDB, DEM e SD. PMDB, PDT e PROS liberaram a bancada.
Votaram contra PT, PC do B, PSOL, PPS e PSB.
O sistema
penitenciário brasileiro é uma escola do crime. 70% dos que passam pelo sistema
prisional voltam a cometer crimes. Quando falamos do sistema infracional, a
reincidência é de 20%"
Deputado Orlando Silva (PC do B-RJ)
Falando pelo
governo, o deputado e ex-ministro do Esporte Orlando Silva (PC do B-RJ) tentou
convencer os colegas a votar contra a redução da maioridade.
“70% dos países
do mundo têm a maioridade penal a partir dos 18 anos. Uma modificação causará
estranheza por parte dos países mais avançados, das democracias mais maduras,
que aprenderam a respeitar os direitos humanos. O sistema penitenciário
brasileiro é uma escola do crime. 70% dos que passam pelo sistema prisional
voltam a cometer crimes. Quando falamos do sistema infracional, a reincidência
é de 20%”, argumentou o ex-ministro.
Na tentativa de
rejeitar a admissibilidade, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) também
argumentou que levar um jovem para o sistema penitenciário poderá torná-lo mais
violento. “Vamos seguir o exemplo do mundo, onde o conjunto de políticas
sociais para infância, adolescência e juventude, tem sim reduzido o conflito
com a lei desses jovens”, disse.
Na mesma linha,
o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que é importante aperfeiçoar outras
políticas de recuperação de jovens infratores. “Os problemas brasileiros têm
que ser resolvidos num outro plano. Queremos discutir o Estatuto da Criança e
do Adolescente, estamos inclusive reunindo assinaturas para adequações. Essa
temática, ainda que possa prosperar na CCJ, não prosperará no plenário dessa
Casa nem no Senado”, disse o petista.
O relator da
proposta, Tadeu Alencar (PSB-PE), também contrário, argumentou que a idade de
18 anos prevista pela Constituição para a maioridade penal é uma cláusula
pétrea, isto é, uma regra que não pode ser mudada pelo Congresso.
“A vítima tem,
sim, o direito de ver o seu algoz punido. (...) O que é permitido pela
Constituição é que haja modulação entre esses dois direitos individuais"
Deputado Evandro Gussi (PV-SP)
“Trata-se de
uma garantia individual, que assegura ao adolescente ser considerado
inimputável. Tal garantia decorre do princípio da dignidade humana e cuida de
proteção da infância e da adolescência, um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito”, afirmou Alencar.
Favorável à
proposta, o deputado Evandro Gussi (PV-SP) argumentou que a maioridade penal
deve ter uma “modulação” para se adequar ao direito da vítima de ver punido seu
agressor. “A vítima tem, sim, o direito de ver o seu algoz punido. Há sim um
direito fundamental à persecução penal por parte da vítima. O que é permitido
pela Constituição é que haja modulação entre esses dois direitos individuais”,
afirmou o deputado.
Também
favorável à PEC, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) afirmou que a proposta
busca reduzir a impunidade contra atos de violência. “Essa admissibilidade não
vai prejudicar quem faz as coisas certas. Não estamos colocando jovens na
cadeia. Vamos fazer com que aqueles que cometem crimes não tenham certeza da
impunidade, só isso”.
Outro deputado
favorável, Evandro Cherini (PDT-RS) disse que a mudança pode diminuir a certeza
da impunidade. “É uma tentativa de que essa mudança possa, quem sabe, diminuir,
através do medo do crime, a certeza da impunidade, que a sociedade toda tem. A
sociedade comete crime porque tem certeza que vai ser impune. Quem é que tem a
bolinha de cristal para dizer que vai ficar pior. Eu estou no time do Tiririca:
‘Pior que tá não fica’. É só cumprir a lei, fazer as coisas certas. Eu não
quero colocar nenhum jovem na cadeia, acho que é horrível.”
Também a favor
da redução, Felipe Maia (DEM-RN) disse que essa posição é “majoritária nas
ruas”. Ele disse que a medida não exclui a necessidade de prover ensino em
tempo integral, para prevenir a criminalidade entre jovens, e a reforma do
sistema prisional, para efetivamente recuperar criminosos. “Isso que o Brasil e
esta comissão deseja há 22 anos”, afirmou.